. Ficha Técnica
- Título original: I racconti di Edgar Allan Poe
- Título no Brasil: A Máscara da Morte Rubra e Outros Contos de Poe
- Autor: Edgar Allan Poe
- Roteiro e arte: Dino Battaglia
- Editora: Figura Editora
- Gênero: Terror, Suspense, Literatura gótica, Adaptação literária
. Resenha
Publicada inicialmente na revista Linus entre 1968 e 1973, A Máscara da Morte Rubra e Outros Contos de Poe é uma das interpretações gráficas mais sofisticadas da obra de Edgar Allan Poe. No Brasil, a coletânea foi publicada pela Figura Editora em uma edição de luxo, que reflete a sofisticação do estilo e a profundidade atmosférica que Battaglia conseguiu extrair dos escritos do mestre norte-americano do horror.
1 - Entre a palavra e a sombra
Dino Battaglia aborda a obra a partir de uma perspectiva literária: seu foco não está na literalidade da trama, mas na representação visual do estilo de Poe — a prosa intensa, a introspecção dos narradores e o peso psicológico que se esconde nos pormenores. Como resultado, temos uma HQ que remete mais a uma leitura poética do que a uma adaptação narrativa convencional. O texto é reduzido ao mínimo, quase elíptico, e a imagem passa a ser o núcleo da experiência estética.
O uso do preto e branco, com fortes contrastes e manchas de sombra, confere à obra uma textura quase expressionista. Battaglia não busca o realismo: seu traço, por vezes impreciso e dissolvente, sugere mais do que mostra, como se as figuras emergissem da penumbra da consciência. Essa opção estética dialoga diretamente com o universo de Poe, onde a percepção é sempre ambígua e o terror nasce da indefinição entre o real e o imaginário.
2 - A tradução do horror interior
Battaglia enfatiza o horror psicológico e o fardo do tempo e da morte sobre almas atormentadas nos contos selecionados, como "A Máscara da Morte Rubra", "A Queda da Casa de Usher", "Ligeia" e outros. No conto "A Máscara da Morte Rubra", a festa decadente da nobreza é retratada por figuras espectrais, cujas máscaras aparentam derreter sob a luz das tochas. Em um espetáculo visual que combina beleza e decomposição, o artista reinterpreta a noção de um mundo fechado em si mesmo, condenado por sua própria recusa em aceitar a realidade.
No conto "A Queda da Casa de Usher", o traço se torna quase abstrato: a arquitetura parece ter vida, os rostos se mesclam com as paredes, e o olhar do leitor é guiado por uma linha que se rompe e se refaz a cada quadro. Na obra de Poe, a casa é um símbolo constante da interioridade, e neste caso, transforma-se em um organismo que respira, sente e apodrece junto aos seus moradores.
3 - Literatura em forma de penumbra
A força literária da HQ reside precisamente em sua habilidade de condensar atmosfera e sentido em composições visuais. Battaglia interpreta Poe como um simbolista tardio, um poeta que explora a ruína e o desejo. Ao fazer isso, ele traz a linguagem dos quadrinhos para uma experiência estética semelhante à poesia visual: cada quadro é um fragmento independente, mas também integra um fluxo constante de emoções e angústias.
O texto, condensado e sussurrado, funciona como uma voz remota, reverberando entre as imagens. A linearidade da narrativa não é o foco; em vez disso, é a evocação — o leitor é convidado a se perder na textura das sombras e a experimentar o desconforto existencial que impulsiona o universo poeniano.
4 - Conclusão
A Máscara da Morte Rubra e Outros Contos de Poe, de Dino Battaglia, transcende a simples adaptação de clássicos do terror, configurando-se como uma interpretação literária em forma de imagens, uma reflexão acerca do medo, da memória e da decadência. Sua relevância está em mostrar que os quadrinhos podem interagir com a literatura não apenas como ilustração, mas como uma forma artística independente, capaz de reinterpretar o texto com sua própria linguagem.
É uma obra que exige leitura lenta e contemplativa, como se cada página fosse um poema visual sobre a fragilidade humana diante do inexorável: a morte, o tempo e o silêncio.
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