Escrito por Arthur Vieira
Ficha Técnica
. Título original: Sous le soleil de minuit / Under the Midnight Sun
. Série: Corto Maltese — 30ª aventura (primeira da nova fase pós-Hugo Pratt)
. Roteiro: Juan Díaz Canales
. Arte: Rubén Pellejero
. Criação original do personagem: Hugo Pratt
. Editora (Brasil): Trem Fantasma
. Ambientação: 1915 — Panamá, São Francisco, Alasca e Yukon
. Gênero: Aventura / História / Ficção literária
. Contexto histórico: Primeira Guerra Mundial, corrida do ouro no Klondike e referências à figuras literárias e históricas.
Resenha
Publicado em 2015, Sob o Sol da Meia-Noite representa um ponto de ruptura e continuidade na história de Corto Maltese. Depois de duas décadas sem novas histórias, o personagem criado por Hugo Pratt é revivido por Juan Díaz Canales (roteirista) e Rubén Pellejero (artista). O desafio era perigoso: reimaginar um ícone das HQs européias sem comprometer sua essência. O resultado, apesar de não ser perfeito, mostra sensibilidade e consideração pela obra original, ao passo que também lhe confere uma identidade própria.
O enredo ocorre em 1915, durante o período da Primeira Guerra Mundial. Corto, mantendo sua natureza errante, parte do Panamá rumo a São Francisco. De São Francisco, é atraído por cartas enigmáticas que o levam às paisagens frias do Alasca e do Yukon. O título é mais do que poético: o "sol da meia-noite" representa tanto a peculiaridade geográfica quanto a interrupção do tempo narrativo — característica das viagens de Corto, que aparentam acontecer à parte do calendário histórico, mesmo sendo atravessadas por personagens e acontecimentos reais.
O roteiro de Canales mantém com cuidado a cadência reflexiva e os diálogos ambíguos que são marcas de Pratt. Existem menções à literatura de aventura e interações com figuras históricas, preservando o clima de romance marítimo e melancolia que caracteriza Corto. No entanto, em certos momentos, a história tende a ser excessivamente linear, perdendo a fluidez quase onírica que Pratt dominava com maestria.
O maior mérito pode estar na arte de Pellejero. Apesar de não reproduzir o estilo de Pratt, adota uma abordagem que se relaciona com ele, utilizando aquarelas delicadas, composições amplas e foco na atmosfera. A paleta fria do norte contrasta com os tons mais quentes do começo da jornada, intensificando a sensação de deslocamento físico e emocional do protagonista. No entanto, alguns leitores mais puristas podem achar que o desenho, em certos momentos, alcança uma clareza demasiada, enquanto o Corto original se baseava em sombras e silêncios visuais.
Como a estreia de uma nova dupla criativa, Sob o Sol da Meia-Noite faz um bom trabalho ao reintroduzir o universo de Corto. Não se trata de uma cópia nem de uma reinvenção radical; é uma homenagem que se permite existir. Para os leitores que estão conhecendo o personagem pela primeira vez, serve como uma introdução acessível; para os leitores veteranos, é um convite à comparação, que é inevitavelmente nostálgica, mas raramente frustrante.
Em suma, é um álbum que se mostra significativo por si só, além de representar um ato de continuidade histórica na tradição da banda desenhada européia. Corto Maltese está de volta ao mundo — e isso, por si só, já representa uma aventura digna de destaque.
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