HQ: Corto Maltese - Equatória

Escrito por Arthur Vieira

Ficha Técnica

. Roteiro: Juan Díaz Canales
. Arte: Rubén Pellejero
. Gênero: Aventura / Histórico / Literatura desenhada
. Ambientação: África Oriental e Central, 1911

Resenha

Em Equatória, Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero prosseguem com a saga de Corto Maltese, preservando o espírito do personagem eternizado por Hugo Pratt.  Situada em 1911, a história leva o marinheiro errante ao centro da África, uma região marcada tanto pelas aspirações coloniais européias quanto pela força das tradições locais. A busca do Espelho do Preste João, um objeto repleto de simbolismo que combina história, mito e esoterismo, é o fio condutor da trama.

Desde as páginas iniciais, a atmosfera é caracterizada por contrastes: o exótico litoral de Zanzibar, os conflitos políticos subjacentes e a imensidão enigmática do interior africano.  Canales leva o leitor por um percurso que dialoga com os dilemas do período pré-Primeira Guerra Mundial — espionagem, interesses coloniais e tensões entre potências — sempre sob a perspectiva cética e romântica de Corto.  O herói permanece como o viajante desencantado, afastado de qualquer conceito de heroísmo tradicional, porém orientado por uma moral pessoal que o conecta aos desprotegidos e aos derrotados da História.

A história é marcada por encontros que intensificam a ambiguidade do mundo de Corto.  Figuras enigmáticas aparecem para ajudar ou dificultar sua jornada, sociedades secretas se entrelaçam com tradições antigas e, nesse contexto, permanece a questão principal: o Espelho do Preste João é apenas uma lenda ou contém algum elemento de verdade?  Como de costume, o mistério serve não só como um motor da aventura, mas também como um convite para refletir sobre a tênue linha entre realidade e imaginação.

Pellejero, em termos gráficos, preserva uma clara reverência ao estilo de Pratt, sem abrir mão de sua própria identidade.  A ilustração é clara e harmoniosa, utilizando uma paleta de cores que destaca os tons terrosos e quentes, remetendo tanto à secura quanto à vitalidade do continente africano.  Diferentemente do preto e branco marcante das primeiras obras de Pratt, a coloração presente aqui adiciona sutilezas atmosféricas que intensificam o caráter lírico do roteiro.

O principal mérito de Equatória pode estar em sua habilidade de recuperar o espírito prattiano sem cair na simples imitação.  Canales e Pellejero entendem que Corto Maltese vai além de um personagem de aventuras exóticas; é, acima de tudo, uma perspectiva poética do mundo, na qual a História oficial se entrelaça com mitos e lendas, e cada viagem se transforma em uma exploração da alma humana. Pratt apresenta um experimentalismo narrativo contido, mesmo assim. O novo Corto é mais linear e acessível, o que atrai novos leitores, mas pode parecer menos audacioso para os fãs da obra original.

Em resumo, Corto Maltese – Equatória é uma aventura consistente, encantadora e digna de respeito. Embora não atinja a profundidade poética das melhores narrativas de Hugo Pratt, confirma a vivacidade do personagem e sua importância atemporal. Para os veteranos, é um retorno nostálgico; para os novatos, uma ótima introdução. O marinheiro sem pátria, que transita entre a História e o mito, persiste em nos recordar que a verdadeira jornada vai além da próxima página.

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